terça-feira, 27 de março de 2012

O MASSACRE DAS PROVAS E NOTAS


Jussara Hoffmann (adaptação)

A tortura do vestibular é, de fato, um tema que merece contínuos protestos. E, tão indignada quanto todos, venho unir-me ao protesto denunciando um massacre de ainda maior dimensão. Como pesquisadora nessa área, nos últimos dias, ouvi de muitas pessoas histórias relacionadas à avaliação na escola e na universidade. Todas elas iniciaram comentando o sofrimento dos filhos ou amigos que fazem o vestibular. Suas histórias vinham, assim, demonstrar sua revolta: furiosas, raivosas até, com a prática de provas e notas que, injusta e arbitrariamente, continua obstaculizando o acesso de crianças e jovens a outras séries e graus de ensino, ferindo-os no seu direito à educação progressiva e contínua.

A primeira história é de um garoto que cursou, neste ano, a 5ª série de uma escola em Porto Alegre. Ao final do ano passado, nessa mesma escola, ficou reprovado em Matemática e Português – sendo aprovado em todas as outras disciplinas -. As justificativas da escola reduziram-se à falta de interesse do menino e à sua distração nas aulas. Não é necessário mencionar a dificuldade dos pais do aluno, em contrapor-se à escola, humilhados, inclusive, por sua parcela de culpa no “desinteresse do menino”. Ao aluno restou a culpa e os castigos que os pais lhe impuseram. Soube, então, que foi reprovado novamente nesse ano, nessa mesma escola. Realizou provas de recuperação em seis disciplinas – todas com três ou quatro páginas e na mesma semana - e ficou, dessa vez, em Ciências (porque alcançou nota 5,7 quando deveria alcançar 6,0) e em Educação Artística, porque, conforme justificativa da escola, ele não costumava levar o material para os trabalhos a serem feitos.

A segunda história é de um garoto de 1ª série, de outra escola, repetindo esta série pela segunda vez e também reprovado. O menino apresenta um defeito de visão e precisa usar óculos. Os colegas fazem troça dele – o que o levou a não usar os óculos na escola – conseqüentemente, não consegue acompanhar os trabalhos e fazer os testes... Foi o que a mãe ouviu da professora, quando foi buscar o resultado final da criança.

A terceira história é de uma estudante de Odontologia, cursando o último semestre e, embora já estivesse trabalhando em um consultório dentário e iniciando na profissão, deixou de formar-se com a sua própria turma, que sempre acompanhou desde o ingresso na universidade. Faltou à estudante um ponto na prova única e final de uma das cinco disciplinas do último semestre. E, anote-se: disciplina de uma área distinta da especialização que havia escolhido.

Alguém pode tomar conhecimento de tais denúncias e permanecer impassível? E quantas pessoas (inclusive políticos e educadores) gastam o seu tempo com “mais um artigo” sobre o vestibular? Não temos todos uma parcela de culpa em tamanha inflexibilidade e autoritarismo na educação em nosso tempo? É secular o massacre aos estudantes em nome do uso de testes comprovadamente falhos no que diz respeito a uma compreensão mais ampla da sua aprendizagem. E todo o autoritarismo e poder de escolas e professores acaba camuflado pela pressuposta precisão e infalibilidade das notas – com seus décimos e centésimos – que, em inúmeras vezes, são atribuídas por critérios subjetivos, incoerentes e obscuros.

Quando a sociedade civil acordará para pedir contas do que lhe é direito, exigindo para seus filhos, uma escola que exerça efetivamente uma ação educativa de respeito e acompanhamento do desenvolvimento dos alunos, para além dos testes e notas, para além das avaliações superficiais e arbitrárias? Uma escola que se comprometa com o uso dos óculos pelo Rodrigo, que se envergonhe com o fato de um aluno “desaprender” Ciências, após um ano de repetição, que analise as conseqüências pessoais e profissionais para os estudantes, de decisões inflexíveis de alguns que se dizem educadores.

Sofremos, sim, com os vestibulandos, mas o vestibular é só mais um trágico detalhe no panorama da exclusão da escola brasileira a que poucos sobrevivem.

Um comentário:

  1. Muitos de nós já deve ter vivido uma experiência como essas e achado natural. Alguns, como eu mesma, já deve ter reprovado um aluno certo de estar fazendo o melhor. E tempos depois, se descobre questionando colegas que assim agem....

    No entanto, hoje, ainda bem, temos uma visão diferente. Acreditamos que na vida "nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". E em educação, não pode ser diferente! Aquilo que o aluno vivencia na escola vai, certamente, constituí-lo de alguma forma.

    Penso que não podemos simplesmente nos preocupar em não dar provas e notas para não sermos injustos. Tão pouco não podemos avaliar, dar um conceito sem critérios bem definidos porque seremos injustos da mesma forma.

    A questão principal da educação explode na avaliação mas é fundamentalmente ligada à prática cotidiana. A avaliação é um fantasma que nós criamos e alimentamos por medo ou comodismo de revermos nossa prática la bem no fundo.

    Bem, esse nosso projeto aqui propõe exatamente isso: revermos nossas práticas e não repetirmos nossos equívocos. Nós também buscamos aqui ESTAR NO RUMO!!! kkk

    Enfim, não podemos analisar o desempenho de qualquer aluno se não analisamos a nós mesmos, nossa disciplina e vemos o que nela há de essencial para que os jovens que pretendemos educar se constituam como seres humanos (íntegros, autônomos, críticos, criativos e curiosos).

    Antes de qualquer coisa, precisamos mergulhar profundamente no campo do saber ao qual nos dedicamos:
    a) Em quê ele serve à vida?
    b) Qual sua função dentro do currículo escolar? c) Que conceitos perpassam os conteúdos de aprendizagem com os quais estamos habituados a trabalhar?
    d)Como posso trabalhar esses conceitos objetivamente?
    e) Quais desses conceitos se ligam com outros campos do saber?
    f) Que estratégias, atividades, recursos posso utilizar para que esses objetivos sejam alcançados?
    E, por fim,
    g)como posso verificar o caminho que está sendo percorrido por meu aluno para a construção desses conceitos?
    h) Uma vez verificado, como posso interferir positivamente nessa caminhada?

    Esse COMO VERIFICAR é que diz respeito aos instrumentos de avaliação. Eles têm que estar ligados aos objetivos pensados para os conceitos elencados como importantes NUNCA MERAMENTE PARA OS CONTEÚDOS e nunca como ponto final.

    A Avaliação é antes de tudo, uma análise da caminhada de cada aluno para que junto com ele, e por ele se crie novas alternativas de construir/reconstruir aqueles conceitos.

    Penso que um bom exercício inicial é que cada um eleja os conceitos (não os conteúdos)primordiais de sua disciplina para cada série. Utilizem os Parâmetros para isso!

    Quem começa???

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